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Me pedia um abraço longo todas as noites

Me pedia um abraço longo todas as noites, quando se despedia. Todas as noites que a gente se via, quero dizer, porque não eram todas. Não tínhamos dias certos, e os fins de semana nem sempre eram nossos. Nos víamos algumas vezes na semana e alguns finais de semana conseguíamos o mesmo. Quase dez anos de diferença nos separavam, e no meio deles todas as obrigações que o fim do início (!) de uma vida adulta podia implicar a um dos lados. Aí eu não exigia tanto. E ele vinha quando dava. Queria.

Me pedia um abraço todas as vezes. Depois de todas as conversas sem propósito e do tempo matado a dois. Depois de preenchermos o vazio que, cada um do seu modo, vinha sentindo naqueles dias depois de um carnaval, um início de ano atrasado, uma continuação de vidas cujos donos não vinham satisfeitos com suas escolhas. Nós dois.
Depois de preenchermos nossos vazios por uma noite inteira, depois de eu escutar seu universo distante, sua vida mais dura que a minha (é toda essa insatisfação que me espera daqui a dez anos?), a falta de planos e a vontade de estarmos ali, ainda assim. Apesar de tudo. Contudo. Com tudo. Ele me pedia longos abraços.
Depois dos beijos longos e dos amassos sufocantes, das tentativas de interromper o que se queria fazer acontecer por horas, dos sorrisos bobos e o sono que nos invadia. Ele pedia um abraço, para que assim pudesse ir, lutar contra alguma insônia, e dormir.
Que o abraço é o melhor contato que duas pessoas podem ter, ele disse. Eu nunca tinha me sentido assim com ninguém. Acho que existem contatos melhores, não? Ele me abraçava.
Achei que poderia ser um pedido de socorro e acalanto para aqueles dias da gente que eram fáceis, mas que não queríamos encará-los dessa forma. Aqueles dias de pura insatisfação e decepção com o que o mundo nos dava; decepção consigo próprio. Ele me abraçava como se fizéssemos parte um do outro há bastante tempo. Como se fôssemos ficar juntos por bastante tempo, pelo menos durante o tempo do abraço. Longo.
Na última vez que nos vimos, me deixou ir embora sem pedir abraço nenhum. Há muitos anos não nos encontramos. Queria saber se ele ainda pede abraços.

Nota da edição: Bia Madruga é escritora e vai lançar o ebook “Aos Pedaços Com Tudo” no sábado, dia 1, no Duas Estúdio em Ponta Negra. O livro será disponibilizado aqui no nosso apê. 

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