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Foi quando a gente se deu conta que estava tudo errado

Foi exatamente naquela quinta-feira depois do almoço depois da sobremesa antes do café e pensando em todas as semanas que tinham vindo antes. A gente falava das últimas, mas eram de quase todas as de antes. “No começo não era assim”. O começo é sempre diferente. É claro. Lá a gente tem que acertar tudo para assegurar isso: que um dia ficaremos nos encarando com raiva e com mágoa e com ternura, tudo ao mesmo tempo, sem saber como nem por que estamos juntos até aqui. Mesmo com tudo errado.

Aquele dia fatídico e aquela hora fatídica em que olhamos um para o outro e dissemos sem dizer, dissemos só com os pensamentos, que, depois de tanto tempo juntos, já se conversam em silêncio: nós estávamos falidos. No sentido literal, também, é verdade. Mas no sentido simbólico e figurado e metafórico principalmente. Nós, esse nós, nosso nós, estava falho, falido e sem nenhuma engrenagem funcionando. O motor já tinha dado defeito e feito barulho e soltado fumaça e feito a gente estancar nossa carruagem tantas vezes: a gente não viu. Estávamos ocupados com o futuro: olhávamos para a frente e dizíamos que vai, vai, pode ir assim mesmo, uma hora tudo se ajeita, vai ser como a gente quer.

Não vai ser como a gente quer. Nada é como a gente quer. Depois de duas décadas e meia vivendo já dá para perceber que o que mais queremos que dê certo: começa ou termina errado. O que fizermos questão de dar errado não vai dar errado nunca. A vida teima com a gente porque a gente teima em achar que mandamos na nossa própria vida. E a gente estava um de frente para o outro com nossos pensamentos conversando e se dizendo como éramos teimosos.

Falhamos, falimos, quebramos tudo pelo caminho, não consertamos nada. Tem pouca coisa que se conserte, na verdade. Se estivéssemos atentos assim “desde o começo” (ai, o começo) teria sido diferente. Teria sido. Não estaríamos falidos nem infelizes nem cheios de mágoas e ternuras simultâneas – que não deve existir sentimento mais contraditório do que reconhecer um fracasso de dois, a dois.

E enquanto a gente mistura raiva e autopiedade, decepção e esperança, culpa e revolta, a gente se olha e se dispõe a ficar em silêncio antes que a briga já comece muito feia, antes que tudo termine agora, depois do almoço e da sobremesa, antes do café, em plena quinta-feira no meio do restaurante (no começo a gente ia mais à ele). Vamos pedir logo o café e a conta. Outro dia a gente conversa sobre tudo o que a gente já sabe – e pensa se faz alguma coisa com isso.

Nota da edição: Beatriz Madruga é escritora e você pode baixar o ebook dela aqui.

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