Quando eu esquecer, vou parar de chorar todo dia um pouco. Vou ter mais lágrima para quando precisar para algo mais importante. Vou ter mais lágrima para quando precisar chorar de felicidade. Nunca chorei de felicidade. Quando eu esquecer, vou poder chorar de felicidade.
Quando eu esquecer, vou sair na rua sem ter medo de gente que não me vê, vou sair na rua sem ter medo de você ser essa gente que não me vê. E que eu olho tanto, que eu procuro demais, procuro sem querer.
Quando eu esquecer, vou parar de te procurar tanto. Nos rostos desconhecidos, nos carros cor prata, no edifício pesado, nos tênis iguais. Não vou mais lembrar de te procurar. Quando eu esquecer.
Quando eu esquecer, vou parar de sentir febre. E de ter pesadelo e acordar com o corpo gelado, no meio da noite. Vou parar de ser contraditória, assim, de ser duas coisas numa só. Tudo quando eu esquecer.
Vou deixar o dia passar sem achar que o tempo não existe mais. Vou parar de achar que o tempo parou só porque eu sofro por quase todos os minutos. E o dia vai passar rápido. Quando eu esquecer, vou voltar a ter a sensação de que o dia passa rápido, de que os meses já foram, e vou repetir assustada no começo de dezembro de que o ano passou voando.
Quando eu esquecer você, vou poder sentir saudade sem enlouquecer. Vou poder enlouquecer em paz, também. E sentir calma. Vou poder olhar para frente sabendo o que pode vir. Não vou mais ter medo do que pode vir, mesmo que eu esteja sozinha, mesmo que eu fique sozinha, aqui e por mais tempo. Eu vou ser mais amiga do tempo quando esquecer você.
E vou chorar só um pouco. Vou lamentar muito menos. Vou olhar para o céu e pensar que não quero me jogar, que não quero descer e bater com todas as forças. Vou pensar que vou poder usar minhas forças para outras coisas que não o salto, que não o pulo. E ninguém mais vai querer me impedir de ver de perto da janela. Eu vou poder olhar lá pra fora sem que ninguém se assuste.
Me falta um pouco de coragem para o salto. Fico aqui pensando. Quando eu esquecer você, posso ficar cheia de coragem de novo. Preciso de coragem para dar esse salto também. E continuar.
Nota da edição: Beatriz Madruga é escritora e você pode baixar o ebook dela aqui.