Fui caminhar pela praia de Búzios. O sol estava gentil, o mar jogava e recolhia sua franja de espuma e o vento verde, que nesse trecho é feroz, disputava comigo quem mantinha na cabeça meu chapéu. Búzios é uma praia comprida, boa para longas caminhadas. Em certo ponto há uma pequena imagem de Iemanjá, de concreto pré-fabricado, recentemente pintada.
Depois de mais de uma hora vagando sozinho, avancei um pouco dentro do mar. Além de bravo – como sempre ali é – estava gelado. Resolvi sair, sentar numa barraca, abrir uma cerveja e quebrar um caranguejo. Ao dobrar as pernas notei na sola de um pé duas manchas pretas. De imediato fingi que não vi, escolhi voltar para a Itaipava, volver a meus pensamentos do ponto onde tinha parado. Mais tarde, reparei outro borrão no outro pé. Só então notei que ambas minhas solas estavam manchadas. Na hora pensei num monte de coisas: é lama do mar, alguma alga, amassei uma fruta, pisei no carvão ou na sujeira mesmo.
Durante todo o percurso na branca areia de Búzios, sempre tão limpa, não notei nenhum sinal de piche. Em casa, mais tarde no banho, não consegui retirar por completo a sujeira, nem com escovão. Só fui entender do que se tratavam as manchas dois dias depois, ao ler a notícia da efusão de óleo no litoral nordestino. De início, achei que era um incidente local, que acometia uma ou outra praia da região. Com os dias, fui me conscientizando da situação. E as informações foram chegando…
Como num roteiro de ficção científica, desses da Netflix, capítulo a capítulo, a cada dia a história prossegue, surge uma nova praia, um novo estado onde as manchas são vistas. Às vezes, mais viscoso, noutras, sólido como uma massa de pizza, o alien vai se espraiando pela costa brasileira, abraçando nosso litoral como os sete selos do apocalipse, uma versão líquida do fogo consumidor da Amazônia, derrotando bichos e algas, uma manifestação concreta do armagedom ecológico que nos assola.
Mas o que significam essas babas indecifráveis? Não seriam a comprovação da falência do sistema de exploração irrefreável de nossos recursos? São o vômito de Iemanjá, cansada de ser maltratada, dando sinal de atenção? Ou uma decoração para os dias soturnos e intolerantes que o Brasil atravessa?
Atônito, de volta à cerveja e a olhar o céu espelhado no mar, choro por dentro. E fico rezando para que os ventos deitem fora essa imundície e com ela a canalhice e a grosseria.
Foto: Giga Khurtsilava (Unsplash)
Diretor teatral e professor do Departamento de Artes da UFRN. Falador e desembestado, adora Shakespeare, Cultura Popular e divagar sobre qualquer coisa entre o vento, o mar e as estrelas.