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[ENTREVISTA] – CLARA

A cantora potiguar, Clara, está com campanha de financiamento coletivo aberta para a finalização do seu quinto álbum intitulado Volte e Pegue. Em 12 anos de carreira musical, Clara recebeu prêmios, gravou álbuns, participou de festivais, fez turnês no nordeste e na Europa. 

Convidamos ela para falar sobre o novo álbum onde  mergulha no seu universo de mulher negra, mãe e habitante da periferia. O disco tem direção musical de Zé Caxangá e Clara, com colaboração de Pedras Leão e Gabriel Souto.

Nessa entrevista ela fala sobre ser artista negra no Brasil, sobre o processo de composição do álbum e a importância de “Volte e Pegue”. Vem com a gente!

– Você está com campanha aberta de financiamento para finalização de seu quinto álbum, fala para a gente sobre o que Volte e Pegue representa na sua carreira.

Mais do que um marco na minha carreira, “Volte e Pegue” é um marco na minha vida. Ele concretiza um movimento que vem acontecendo dentro de mim há cerca de três anos. Esse movimento que falo é meu processo de empoderamento e reconhecimento enquanto mulher negra. “Volte e Pegue” vem para consolidar, e também para reforçar que os negros, que nossa comunidade é forte, que podemos chegar onde a gente quiser. Nós somos um povo que fomos minados o tempo inteiro, e fomos considerados como sub raça, então, “Volte e Pegue” mostra que somos uma potência.

– Muitas músicas do álbum são assinadas por você, como foi/ é seu processo de composição?

Quando eu comecei esse movimento de me ver como mulher negra, eu comecei a perceber um projeto de branqueamento da população do nosso país. Comecei a estudar sobre a luta do movimento negro por equidade racial e social. Passei muito tempo debruçada em livros de pensadores, e também, escutando músicas de artistas que falam sobre isso. Chegou um dado momento em que simplesmente comecei a escrever sobre o que eu estava internalizando. Vi que tinha chegado o momento de assumir meu lugar no mundo, não só para mim, mas para todo mundo. Já me reconhecia enquanto mulher negra, mas precisava que os outros que estão ao meu redor me reconhecessem e me respeitassem enquanto isso, por ser uma mulher preta, pobre, moradora de periferia e mãe. Esse é meu lugar no mundo e eu mereço respeito. As músicas de “Volte e Pegue” veem desse processo de autoafirmação. 

– Seu último álbum “EntreAberta” tem uma sonoridade mais soul e algumas músicas deste álbum, já apresentadas por você, trazem mais elementos eletrônicos e com clara influência de músicas com raízes africanas. Como se deu essa construção musical de Volte e Pegue? 

Minha primeira experiência de trabalho com música eletrônica foi com “Pássaros Proibidos”, que era um projeto que eu tinha com Simona Talma. Esse trabalho tinha direção de Gabriel Souto e era como um espetáculo musical, que caminhava pela de discografia de Maria Bethânia e Gal Costa, além das nossas músicas autorais. Quando começamos a construir esse álbum, que ainda não tinha nem nome, vimos que era necessário buscar as músicas com raízes africanas, e assim fomos construindo a sonoridade de “Volte e Pegue”. Caxangá e eu chegamos a fazer um curso de beats, nesse processo começamos a experimentar e pesquisar referências musicais para construir a base do álbum. 

– Neste álbum você mergulha no seu universo de Mulher, Mãe e Negra habitante da periferia, que é a sua realidade e a realidade de muitas mulheres da nossa cidade e do nosso país. Como é para você cantar sobre esse universo?

É muito emocionante, mergulhar nesse universo de Mulher, Mãe e Negra habitante da periferia. Todo esse processo é muito forte. Hoje eu consigo lidar com mais maturidade emocional. O processo de gravação dessas músicas foi muito intenso. Foram três anos de construção desse álbum. Acredito eu “Volte e Pegue” demorou tanto a sair, porque é um processo muito forte, mas também muito dolorido. Muitas vezes entrava no estúdio para gravar e eu só chorava. Só me percebi negra a partir de racismo que passei em momentos da minha vida, e se reconhecer negra é muito poderoso, ao mesmo tempo que dentro de você brota um ranço com a hipocrisia da sociedade e o racismo estrutural. 

– A musicalidade negra é vista como resistência desde a época dos quilombos, como é para você ser uma artista negra que canta sobre a força e dores do povo negro? 

A música está muito atrelada ao povo preto, seja no processo ritualístico, seja no sentido cultural. Quando um povo é oprimido do jeito que o povo negro foi na história desse país, a cultura vem como forma de resistência. Acho que apesar de tudo que meu povo foi submetido, nós ainda resistimos. Você vê essa resistência em vários movimentos culturais e eu me sinto privilegiada de poder colocar pra fora tudo que eu sinto, e quem sabe assim, contribuir de alguma forma à resistência. Canto para me segurar, para viver, para poder estar em pé! 

– Esse álbum conta com algumas participações especiais em algumas músicas, não é? Conta para gente quem são esses convidados! 

Neste álbum a gente tem diversas participações e parcerias. Temos a Juliana Taíde, Marília Negra Flor e Renata Marques como parceiras. Temos a participação da Aiyra, em algumas percussões, Marília Negra Flor e Pretta Soul nos vocais da música “Novas Formas de Amar”. 

– A produção da capa do álbum conta com a colaboração de diversos artistas negros da cidade, fala pra gente como foi esse processo: 

Fui convidada pelo fotógrafo Augustos Júnior para participar de uma série que ele tá produzindo. A série intitulada “Nos Corres”, aborda o corre-corre de trabalhadores pretos de vários segmentos. Nisso, nós conversamos sobre o “Volte e Pegue”, e o convidei  para fazer a direção de fotografia e artística. O Augustos trouxe o conceito da SANKOFA, que é um símbolo do sistema escrito do povo Akann da África Central, que está diretamente ligado ao provérbio “Não é tabu parar e voltar para pegar o que você esqueceu”, e isso tem muito a ver com ancestralidade e fortalecimento. Dentro disso a gente convidou outras pessoas para colaborarem com a construção desse álbum: Stefany Moreira, na direção de arte; Sânzia Pinheiro na Consultoria Artística; Thamise Cerqueira na captação de vídeo; Cristalina na construção de audiovisual, tenho muito orgulho dessa equipe que a gente conseguiu montar. 

– Sua campanha  foi prorrogada, fala pra gente porquê a galera deve ajudar a fazer esse álbum:

É muito difícil se fazer arte no país que a gente vive, a luta é diária. Todos os profissionais que atuam em “Volte e Pegue”, acreditaram desde o começo nessa proposta e sabem que esse trabalho é necessário. Esse disco precisa ser lançado para que as pessoas escutem e reflitam sobre o que este trabalho tem a dizer. Ser artista no nosso país é muito difícil, ser artista mulher e mais duro e ser uma artista preta é mais difícil ainda. Convocamos toda a sociedade, inclusive você que está lendo essa entrevista para entrar na nossa Vakinha e colaborar. Nossas recompensas são bem afetivas, e podem ser feitas a partir de R$30 reais. Vamo junto comigo botar esse disco no mundo, porque ele está muito bonito.

Confira a Vakinha de Clara aqui e colabore com a realização deste álbum!
 

Foto: Augustos Júnior

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