Uma jovem chamada Constance McMillen estava, há exatos 10 anos, lutando pelo direito de levar sua então namorada ao baile de formatura. A American Family Association havia conseguido cancelar a comemoração de final de vida escolar do Itawamba High School (no estado do Mississipi) a fim de evitar que McMillen levasse uma garota como sua acompanhante, tudo através de manobras judiciais, perseguição e humilhação pública. É essa história real que deu origem ao musical da Broadway “The Prom” e que, só agora, se torna um filme original Netflix.
O musical surgiu seis anos após os acontecimentos reais passados pela Constance McMillen e, ao contrário do que se pode imaginar, a ficção foi até bem coerente com a história. Muitos artistas se solidarizaram com a saga da estudante e deram apoio a sua causa na época, uma história realmente digna de ser visitada pela arte. Mas, a ficção sempre pede um pouco mais de tempero para fazer uma narrativa acontecer de verdade, apesar dessa realidade não dever em nada para tal.
A narrativa de “The Prom” alterou pequenos acontecimentos e inseriu quatro fracassados artistas da Broadway – com péssimas críticas nos jornais e com incontáveis cancelamentos de seus espetáculos – indo até o Mississipi defender a causa da Constance McMillen, que na trama ficcional recebeu o nome de Emma. Mas, esses quatro artistas não possuem reais boas intenções, eles encabeçam a luta como um projeto para alavancar suas carreiras e melhorar suas imagens diante do público e da crítica, já que os quatro são considerados narcisistas, típicas caricaturas de estrelas e divas.
Quem encabeça a adaptação da Broadway para a Netflix é um já consagrado e conhecido nome por produções audiovisuais musicadas, o Ryan Murphy. E, apesar de particularmente amar o trabalho do Murphy, isso acaba sendo um problema já que se espera um resultado mais do que excepcional de um produtor que foi incansavelmente premiado por Glee – série musical da Fox, sucesso de audiência e crítica. E por todos estarem com grandes expectativas diante do lançamento (principalmente pelos nomes envolvidos) é que as inconsistências e falhas de “The Prom” se tornaram ainda mais evidentes.
Nem mesmo o elenco estelar e caríssimo de “The Prom” consegue salvar o fiasco incoerente da produção. Entre os nomes que dão vida aos personagens da trama estão Jo Ellen Pellman como Emma, Ariana DeBose como Alyssa, a namorada convidada para o baile, filha da conservadora que lidera a perseguição a Emma, interpretada pela Kerry Washington. As estrelas da Broadway são vividas pela excepcional Meryl Streep como Dee Dee Allen; Nicole Kidman como Angie Dickson; Andrew Rannells como Trent Oliver e James Corden como Barry Glickman, esse último nome é o verdadeiro problema do filme.
Apesar das músicas compostas por Matthew Sklar e David Klotz não serem excepcionais e memoráveis, existe muita consistência no trabalho, bem como na direção de arte que traz o DNA colorido e forte do Murphy e no ritmo do roteiro ágil e assertivo, realizações que seriam facilmente consideradas razoáveis se não fosse pela péssima escolha de James Corden para contracenar com Meryl Streep e apontar para cada um dos elementos medianos do filme a todo tempo, tornando-os insuportáveis.
Além da evidente falta de talento do James Corden para preencher o papel, é impossível ignorar o fator representatividade. A trama que aborda a luta de uma LGBTQIA+ para vivenciar sua sexualidade com plenitude, ser respeitada e vista como membro ativo de sua comunidade é desvalidada por um ator heterossexual vivendo um personagem gay da maneira mais caricata, desproporcional, desrespeitosa, superficial, antiquada e simplória possível. Um papel que poderia ter sido facilmente preenchido por um ator gay, que olharia para esse personagem através de uma ótica realista dando para as suas vivências toda a realidade, emoção e profundidade merecida.
Sim, a produção conta com LGBTQS em seu elenco, a própria Jo Ellen Pellman – membro da comunidade – dá muita verdade ao seu personagem, de fato. Mas, um filme que trata, sobretudo, sobre o valor da diversidade em uma comunidade não deveria jamais falhar no lugar em que se propõe a visitar. O personagem gay de James Corden consegue, sozinho, derrubar uma produção que tinha tudo para servir não só como entretenimento, mas como estandarte político e social de uma comunidade que luta todos os dias para estar no lugar que ele ocupou desmerecidamente.
Assista ao trailer de The Prom:
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Jornalista formado pela UNP – Universidade potiguar – é assessor de imprensa corporativa da Us Comunicação e já escreveu em diversos portais sobre os mais variados assuntos. Hoje escreve sobre sua maior paixão no Apartamento 702, a sétima arte. Venera café, livros, filmes empoeirados, plot twists e hoje protagoniza um spin-off de vida fitness.