Hoje acordei pensando sobre o que nos motiva e encoraja a seguir em frente numa época tão nefasta, mesquinha, obscura… enfim, em meio ao clima de ficção científica em que o mundo mergulhou. O único consolo para assentar chão me parece ser o amor. O amor por tudo, ágape e panenteísta, incondicional e a que tudo engloba.
Bem precisa me parece a pergunta do poeta itabirano, quando indaga “Que pode uma criatura senão entre criaturas amar?”. O amor nos ensina tudo, porque o amor nos desarma. E é esse o grande segredo da vida, aprendermos a lutar contra ela sem as velhas armas que acreditamos infalíveis. Um dia, quase sem nos darmos conta, elas se mostram inúteis. Sim, diante do amor todas as munições são inúteis. Por isso, o amor vence a intolerância, a ignorância, a calúnia, a guerra, a ira, o ciúme, a inveja.
O ser humano é um bicho que tem vocação para amar. Muitas vezes, ele esquece. As pessoas ranzinzas, mal humoradas, grossas ou antissociais escondem através da personalidade o grande medo de assumir o amor que sentem. Porque o amor engaja, ele exige prática. E o desempenho das tarefas estimuladas pelo amor dá mais prazer a quem as realiza do que a quem as recebe. Mas enquanto exibir publicamente o ódio se tornou uma performance admirável, sobretudo nas redes sociais, para muita gente, declarar o amor é motivo de vergonha. Ora, mas se amor é o que nos assopra a levantar da cama a cada dia, nos dá a anima! Até o dia em que, como queria Maiakovski, “de todo amor não terminado seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas”.
São Paulo diz que ter conhecimento, falar línguas, entender a ciência, ser caridoso e asceta, sem amor, de nada adianta. O amor “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”, escreve ele na carta que, para mim, é um poema. Paulo Mendes Campos, em crônica clássica, diz que o amor acaba. Mas será que aquilo que acabou era mesmo amor? A paixão sim, aquilo que Vinícius também denominava de amor, se extingue qual chama, mas o amor… Porque a sua grande característica não seria justamente nos surpreendermos nos importando mais com o outro do que com nós mesmos? E quando percebemos isso, o sintoma já brotou, já agimos por amor, e sem querer. Às vezes, ele existe sem notarmos. “O amor, quando se revela, não se sabe revelar”, é o que diz Fernando Pessoa.
É preciso estar atento para sentir o amor. Ele brota das masmorras do coração, como uma criança velha, uma ciganinha que sai da porta do elevador antes da gente entrar. Porque o amor é atitude e não discurso – e as palavras de nada adiantam se ele não se traduzir em ação. O amor é espontâneo e não racional, não tem como forçar a barra ou fingir que se ama, porque o amor é radical, e não existe meio-amor. Existe quem engana e quem finge que não sabe que é enganado.
Amar o outro é colocá-lo sempre à sua frente, é sentir felicidade com a alegria do outro. E não esperar o troco. O destino humano só é entendido pela clarividente mágica da linguagem amorosa.
O amor geralmente começa no inesperado, prefere o improvável ao possível, o impensável ao visível. Mário de Andrade escreveu: “Não prego a guerra nem a paz, eu peço amor!”, pois “o amor não é uma paz”, é “bem mais bonito que ela”. Então o que se oferece como alternativa à guerra não é a neutralidade da trégua, mas o elemento ativo do amor.
O amor é transgressor, mas num desbunde para dentro – a sua revolução é permanente. É um fogo que ilumina sem queimar. Ao contrário da paixão que mata, o amor ressuscita. A paixão é como a voz da Elis Regina. Já o amor… é a voz do João Gilberto.
Diretor teatral e professor do Departamento de Artes da UFRN. Falador e desembestado, adora Shakespeare, Cultura Popular e divagar sobre qualquer coisa entre o vento, o mar e as estrelas.