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Da arte de saborear o café

Tenho um amigo que mora no Alagamar, num apartamento com vista para o Morro do Careca. Certa vez me convidou para tomarmos um café, de bobeira, olhando a praia, e começou a falar a respeito da presença da comida e da bebida nos Evangelhos.

Segundo esse meu amigo, em sua ressurreição, antes de subir aos Céus, Jesus teria perguntado o que havia para comer. Grande parte dos episódios evangélicos dão-se em refeições coletivas, em torno da mesa. O Messias, aliás, chegou a ser criticado pelos seguidores de João Batista por não ser tão ascético quanto seu primo, que vivia no deserto, à mel e gafanhoto. Não à toa, Cristo ministrou seu principal sacramento a partir do pão e do vinho. É uma pena, apenas, a gente imaginar que após a Última Ceia, ou em todos aqueles banquetes de casamento e pescarias em que a comida se multiplicava, não houvesse um cafezinho arrematando com chave de ouro.

O café é um dos hábitos mais tradicionais do brasileiro, um ritual afetivo. Para qualquer coisa, lá vai um cafezinho. A gente até diz: passa lá prá tomar um cafezinho. Vai receber um cliente, um cafezinho. Chega numa recepção, sala de reuniões ou de espera, lá está a garrafa térmica na luta por manter a temperatura da iguaria. Eu, então, que passei a vida inteira frequentando salas-de-professores, perdi as contas de quantas vezes não engatei uma prosa em torno de uma xícara.

Além da música, do carnaval, do futebol e agora do surfe, graças a nosso glorioso Ítalo Ferreira, nosso café é o melhor do mundo. Já foi também nossa maior riqueza. Com as mais variadas características, do ácido ao encorpado, o melhor café que se bebe no mundo é o brasileiro. Infelizmente, os grãos de primeira não ficam aqui, a gente bebe é lá fora. Tanto é o sucesso de nosso café no exterior que a cafeteria mais famosa de Lisboa, por exemplo, chama-se “A Brasileira”. Lá, onde as pessoas se encontram para jogar cartas, xadrez ou conversa fora, o café é servido sempre em porções duplas.

O paladar do cafezinho que se aprecia aqui, após as refeições, se assemelha ao de Espanha, França e Itália, um café escuro e encorpado. De maneira geral, o cafezinho alemão, tal qual o americano, servido em volume maior nas xícaras grandes, é mais fraco e mais claro – a bem dizer, uma droga. Hoje no Brasil, com essas máquinas italianas, você já pode escolher entre o café forte, suave, longo, curto, descafeinado ou, a nova moda, orgânico. Hoje dá até para tomar café gelado, o Frozen, em vários estabelecimentos de Natal. As cafeterias também inventaram um monte de misturas: com sorvete, chantilly, doce de coco e até whisky… tanta coisa que o café mesmo some lá dentro.

Disse o meu amigo se irritar ao ter sua alquímica ansiedade pelo prazer do precioso líquido frustrada por um copinho de plástico, uma xícara sintética ou, pior, um copo de requeijão mal lavado. Quanto a isso, confesso, não aprecio muito café em copo americano. Prefiro as xícaras médias, de qualquer tipo de porcelana. Gosto também dos lugares em que te oferecem um minúsculo bombonzinho de licor no pires. Meu amigo, não, ele toma sem açúcar. Para ele, só assim se desvenda o verdadeiro sabor do “ouro verde”.

Um bom expresso se reconhece pela cremosidade, formada pelos óleos do café. O creme, ao contrário da espuma, não deve se desfazer logo. A água tem de ser pura. A companhia de outra pessoa ou de um bom livro potencializa essa experiência. Beber café requentado também não está com nada. Há que saboreá-lo após a primeira fervura e a coisa fica melhor se a xícara, bem lavadinha, ainda for aquecida antes de recebê-lo. Ai, que delícia! Agora, se me dão licença, tenho de interromper a crônica para tomar um café.

 

Foto: Jessica Lewis (Unsplash)

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