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Conversamos com Anderson Lima (@andercrazyy) sobre racismo e preconceito em Natal

Não tenho a menor dúvida de que nos últimos dias você viu ou ouviu alguém falando sobre o vídeo do Anderson Lima, ou @andercrazyy como é conhecido nas mídias sociais.
Se pelo nome não lembrou, vamos refrescar sua memória:
https://www.facebook.com/andercrazyy/videos/287815935090067/
 
No vídeo, Anderson, um auxiliar administrativo de 22 anos, passeia pela cidade falando de forma irreverente sobre o preconceito sofrido sempre que sai de casa.
Apesar do caráter divertido e do carisma, as problemáticas envolvidas são sérias e infelizmente as discussões estão longe de acabar.
A publicação ressalta preconceitos sociais e sócio-raciais que cercam a vida de muitas outras pessoas para além do Anderson, especialmente aqui em Natal em que se misturam muitas vezes com o famoso termo “pinta natalense”.

“O que eu fico passado é como é que o povo tem medo de uma ‘bicha’ como eu. Eu andando aqui e o povo se escondendo (…) eu não tenho cara de marginal”.

Já considerado um ícone da Internet em todo o Estado, esse personagem conversou comigo sobre o seu vídeo viral, as motivações, temas abordados e a repercussão. Nosso papo foi recheado de humor, sem deixar de lado as discussões sérias.

Confira o melhor dessa conversa e mais sobre as questões envolvidas.

1 – Como surgiu a ideia do vídeo
Anderson Lima é morador de Pium/RN apesar do vídeo ter sido gravado em Natal. A postagem no Instagram foi feita na sexta (11).
Tudo começou com a ideia de mostrar a realidade da sua vida, já que seu cotidiano já é, sempre que possível, mostrado aos seguidores nas mídias sociais (Facebook e Instagram).
Anderson me contou que todos os dias precisa sair bastante para resolver situações de trabalho e em todos os lugares em que passa os episódios de preconceito já fazem parte da rotina.
2 – Violência policial e medo

“As véia me vê e onde tiver buraco enfia a bolsa (…) se me verem na rua não achem que eu sou um marginal, tá?”

Ele confessa entender o medo demonstrado pelas pessoas de certo modo, em virtude da insegurança que vivemos na cidade. Porém, tudo isso o incomoda mais do que as pessoas podem imaginar.
O medo também faz parte da vida dele, mas de um lado diferente da história.
Fingir estar falando no celular ou rebolar um pouco mais ao andar são apenas algumas das coisas que Anderson faz por receio de ser confundido com um bandido pelas pessoas.
O receio fica ainda maior quando existem policiais por perto, o que é compreensível. Ser visto como um bandido todos os dias pelas pessoas só aumenta o medo de que um policial acredite na palavra delas e/ou haja alguma situação infundada de constrangimento.
Em um país em que a polícia militar age como nítida herança da ditadura, muitos outros jovens com perfis e realidades parecidas como a de Anderson fazem escolhas a vida inteira com medo de que o preconceito evolua para acusações, repressão e violência.
Sejam essas escolhas do que vestir, onde andar, ou como agir.
3 – Preconceitos e racismo

O pior é que eu entro nas lojas os seguranças ficam olhando pra minha cara (…) eu não sei que treinamento é esse que a pessoa faz pra segurança, que não sabe diferenciar uma princesa de um marginal

A vestimenta foi um tema recorrente na nossa conversa. Por ter iniciado a graduação em moda pela UNP (apesar de não ter conseguido concluir), Anderson entende bem os impactos que as roupas têm na forma como as pessoas veem você.
Porém, a vida é quem mostra todos os dias na prática que essa visão da sociedade vem sempre carregada de preconceitos.
Durante o vídeo, Anderson chega até a filmar o momento exato em que passa por uma senhora e ela segura a bolsa em uma tentativa de escondê-la.

Se eu tivesse com o uniforme do Salesiano ou do CEI, ou com uma bolsa da Chanel, até mesmo se eu fosse branquinho de cabelo liso as pessoas não teriam medo de mim”. – afirma Anderson durante nosso papo.

A forma de se vestir foi apontada por ele como um elemento principal na justificativa desse medo generalizado das pessoas.
A roupa tem o poder de te fazer ser visto como rico ou pobre, onde quem está vestido de forma a mostrar que pertence a uma classe mais baixa tem maiores chances de ser “confundido”  com um bandido pelos “cidadãos de bem”.
Além disso, o racismo também foi bastante citado em nossa conversa.
Anderson desabafou. Ele falou que a sociedade sempre virou as costas para o negro e que apesar de as coisas estarem mudando e as lutas terem contribuído para as melhorias, episódios como os que ele vive também se relacionam com a cor da sua pele.
Para quem não lembra, em 2016 o G1 RN divulgou o caso de uma bailarina e pesquisadora que sofreu grande constrangimento no transporte público junto de sua filha de 1 ano.
A moça afirma que houve recusa do motorista para abrir a porta do ônibus e ele deu a entender que ela não pagaria a passagem e estava pedindo carona. O caso de evidente racismo foi amplamente compartilhado. Mas e os casos que a mídia não divulga?
O vídeo de Anderson viralizou e se tornou ainda mais conhecido do que notícias como esta. O caráter de entretenimento e o humor com que ele trata de temas tão dolorosos e problemáticos chama atenção e nos convida a refletir a respeito.
3 – O pinta natalense
Todo mundo que mora em Natal conhece bem a figura do “pinta natalense” e sabe identificar de prontidão essa galera pelo estilo de se vestir.
Bermudas de tactel ou de veludo, sandália Kenner, camisetas das marcas Greenish, Billabong ou Cyclone e óculos Juliet são algumas das peças que compõem o estilo dos pintas e provocam enorme pavor da população.

“Ninguém pode ditar a vestimenta de determinada pessoa ou julgá-la como bandido pelo que escolhe vestir”.

Segundo Anderson, ele não é um pinta natalense, mas é amigo de várias pessoas adeptas desse estilo. O preconceito, além de não fazer sentido, incomoda em vários âmbitos a vida destas pessoas.
Quem se lembra de quando o shopping Midway Mall passou a impedir a entrada de pessoas com um critério muito parecido com o que leva as pessoas a terem medo de Anderson na rua?
Em 2013 chegou até a ser organizado o “Protesto dos Pinta”, que acabou em uma enorme confusão repleta de repressão por parte da PM. Houve uso de balas de borracha e alguns protestantes foram detidos.
Com esse histórico na bagagem, será mesmo que Natal adora tanto o “pinta natalense”?
É preciso refletir aqui se as piadinhas feitas na Internet com o estilo do pinta não são apenas mais um reforço aos preconceitos e refletem diretamente em episódios como os que o Anderson relata em seu vídeo.
Repercussão

“Me chamaram de ícone Natalense. Tudo está sendo fantástico! (…) Sempre brinquei com os amigos dizendo que eu era famoso, mas sempre foi brincadeira”.

Aqui vão alguns números sobre a repercussão do vídeo para justificar quando o chamo de viral:
Instagram do @andercrazyy

  • Visualizações: 3.690
  • Curtidas: 330
  • Comentários: 323

Facebook (página) Andercrazyy

  • Visualizações: 273.637
  • Comentários: 3.238
  • Reações: 2.777

Todo Natalense:

  • 1,7 mil reações
  • 807 comentários
  • 36 mil visualizações
  • 603 compartilhamentos

Queens of vídeos

  • Visualizações: 1 milhão
  • Reações: 15 mil
  • Compartilhamentos: 13.132
  • Comentários: 7.568

Enquanto conversávamos o Anderson recebeu a notícia por um amigo que seu vídeo tinha batido 1 milhão de visualizações na página Queens of Videos (Facebook) e se emocionou muito ao falar sobre todo o reconhecimento.
Ele confessou que recebeu uma enxurrada de mensagens e que seu número de seguidores no Instagram quase dobrou. Diversos amigos mandaram mensagens mostrando que a publicação chegou a outros países.
Uma das mensagens recebidas deixou Anderson feliz e emocionado. Uma mulher entrou em contato e relatou que estava de luto naquele momento. Ela queria agradecer Anderson por partilhar a alegria contagiante.
Mesmo afirmando que não é YouTuber, ele me explicou que sempre gostou de mostrar nas mídias sociais a sua vida da forma como ela é. Tudo isso, sem deixar de lado o sorriso no rosto e o tom divertido.
Todo o reconhecimento está sendo inacreditável para ele, mas nada foi mais emocionante do que o que a reação da sua própria mãe à publicação.
Ele contou sobre como foi difícil se abrir sobre a orientação sexual para a mãe e depois de tudo que o vídeo trouxe de repercussão, recebeu uma ligação emocionante dela contando que hoje as pessoas não estão rindo dele, estão falando bem. Isso foi o que, de fato, o tirou do chão.
E o que fica…

“É como um coco. Você não consome a casca só a água. Passe a ver mais o interior das pessoas.” – Anderson Lima

De um vídeo aparentemente despretensioso, engraçado e que rapidamente se espalhou na Internet, podemos tirar valiosas lições e reflexões.
Problemáticas sociais complexas foram tratadas com a maior leveza possível, mas ainda assim continuam preocupantes e precisam ser discutidas ainda mais visando uma desconstrução.
Gostaria de encerrar desejando que os próximos vídeos do Anderson Lima pudessem ser sobre outros temas. Mas a realidade dele e de muitos outros iguais a ele precisam mudar para que isso aconteça.
Vamos combater todos os tipos de preconceitos. Mas, de vez em quando, por que não com um sorriso no rosto?

1 comentário em “Conversamos com Anderson Lima (@andercrazyy) sobre racismo e preconceito em Natal”

  1. infelizmente temos que passar por situações como essa, porem somos e devemos ser fortes para poder lutar contra esse tipo de problema.

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