Este mês fui a dois circos da região, o Le Cirque Amar e o Circo Los Campellos. Puxado por duas crianças, uma em cada braço– uma era meu filho, a outra, sua amiga, ao Le Cirque fui num sábado. Uma apresentação circense reclama essa presença da criança, porque o circo, assim como o Teatro de Mamulengo, é o espaço em que vida adulta parece que abre uma brecha para passar a infância, e a infância fica adulta.
O Le Cirque é uma empresa gigante, cuja tenda super iluminada brilha de longe pela BR, dando a impressão de que uma nave espacial pousou ao lado do hipermercado. Imagine se estivesse armado em dezembro, a competir com a “maior árvore de Natal do mundo”, na Praça da Árvore de Mirassol? Quem passasse pela rodovia pensaria estar em Las Vegas, não em Natal. Mas é assim mesmo, tudo no circo tem de ser colossal, a catedral do entretenimento, desde o arco de sua arquitetura até os gestos largos de seus artistas.
O Amar está na sexta geração que remonta a uma família de origem francesa e apresenta 23 atrações. A trilha-sonora, alta e ininterrupta, executada por uma competente banda de hard rock, assusta, num primeiro momento, quem espera pela atmosfera nostálgica das valsas e dobrados das bandinhas de circo da década de 1980. Ela dá o ritmo do espetáculo, ligado no 220. De repente, você se dá conta de que está numa rave, as luzes não param de piscar, circo contemporâneo é isso aí… deixa de ser nostálgico, André, seu filho está dançando. A dupla de palhaços, como acontece nos grandes circos, aparece apenas como cortina enquanto se preparam os aparelhos dos grandes números: tecidos aéreos, argola, ilusionismo, globo da morte. São dois excelentes palhaços, ágeis e precisos, levam a plateia na mão, centrando sua graça na comicidade corporal. Tudo milimetricamente encadeado, como se o espetáculo encenasse a pressa veloz da cidade grande, sem pausa para respirar.
Ao Los Campellos fui com alguns alunos, adultos. Fincado neste momento em Parnamirim, no bairro de Santos Reis (próximo ao Hospital Deoclécio Marques), o Los Campellos é um circo familiar. Transpus a carroceria de lata da entrada, pintada com figuras representando os números clássicos circenses, e tive a sensação de que voltava ao meu interior. Na tenda de alimentação dei de cara com um chafariz com a imagem de Nossa Senhora, ladeada por uma barraca de pizza e um pônei de tirar retrato, e pensei que o mito, a imagem e o Fellini estavam mais vivos naquela sincera miscelânea do que em qualquer outro show que tente se aproximar da monumentalidade do cinema ou do Cirque du Soleil.
Fundado pelo peruano Horácio Campello, pai dos palhaços Fuxiquinho e Rolinha, atualmente o circo é tocado pela família. Menor, é justamente nisso que reside a sua grandeza. Quer seja pela proximidade com o palco, quer seja porque não está tão comprometido com regras absolutas ou um tempo cênico rígido, quer seja porque em circo pequeno quem domina o espetáculo é o palhaço. Todas as atrações das duas horas de função do Campello são intercaladas por números de palhaços, seis entradas no total, e todas do repertório clássico: a luta de boxe, o apito, o caveirão… A comicidade nesse tipo de picadeiro é muito centrada na fala, em cenas que fazem rir pelo sentido do texto.
E entre os clowns do Campello, o jovem palhaço Rolinha se destaca. Seu domínio da escuta para perceber e oferecer o que o povo pede, sua capacidade para improvisar com o inesperado, sua agilidade nas piadas, seu carisma… tudo contribui para sua graça. O povo ri muito de Rolinha. E de que outra substância é feito o palhaço senão da risada?
Diretor teatral e professor do Departamento de Artes da UFRN. Falador e desembestado, adora Shakespeare, Cultura Popular e divagar sobre qualquer coisa entre o vento, o mar e as estrelas.