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[Semana de Reflexões Críticas] O corpo é uma farsa por Cássia Navas

“O Corpo é uma Farsa” é um duo de João Alexandre Lima e Anízia Marques, que dá nome à companhia pela qual se apresenta a obra, numa criação do próprio João Alexandre.
Estreado em 2017, apresenta-se como um vídeo-documentação em dança, suas imagens captadas por uma única câmera, o que dificulta uma visão mais plural de suas estruturas, restando ao espectador (sim, assistimos a esta obra por uma tela) ver, mas também buscar entrever mais dos conteúdos que acessa.
Num primeiro momento, tons de luzes ocre e azul nos fazem prestar atenção num palco escuro sendo palmilhado pelos dois intérpretes, que arranjam seus objetos de cena. Logo depois duas cadeiras e artistas se perfilam, frente-a-frente, num encarar-se (em muitos sentidos) que vai ser linha de condução da obra.
Nas cadeiras os bailarinos estão de perfil, e de certa forma, pelos gestos, desenhados a partir do cotidiano- cozinhar, fumar, escovar os dentes-, um perfil cênico de cada um poderia ser mais bem esboçado, caso esta gestualidade insistisse mais longamente no tempo-espaço da cena.
O estar frente-a-frente transforma-se em enfrentamento, as cadeiras servindo de escudos ou armas, servindo para um diálogo corporal que se estabelece em vários momentos da obra, mesmo quando a bailarina, mascarada, contracena com o bailarino em corporalidade quieta, a apontar que dentro do silêncio (ou da cegueira) pode haver muito da fala e da visão.
Há momentos de boa utilização do espaço, o duo se rebatendo em mais personagens em cena, a partir de um trabalho ainda experimental com os objetos, que sempre demandam uma arte e investimento específicos de criação. Este é o caso de uma mala (ou valise) que serve de banco, cesta, objeto que se abre tal qual uma grande semente.
O espaço de cada um e dos dois bailarinos quando de fato unidos pelas superfícies de parte de seus corpos também faz parte dum contínuo diálogo como na valsa que dançam sem estarem de frente ou quando caminham lado a lado, mãos dadas sem se mirar.
As dinâmicas de repelir/atrair, juntar/separar, associar/dissociar são constantes ao longo da obra em gestos que algumas vezes se repetem, mas que se perdem, pela proposta de ter-se muito a dizer, o que em si, pode ser meta, desde que bem mais trabalhada.
Ao final, temos um momento um tanto confuso, a apontar para uma celebração (o moço joga confetes sobre a moça em cima duma cadeira) e de partilha, talvez presente na sugestão de que uma flor seja ofertada a alguém na plateia.
Qual seria o motivo deste final, que encerra uma escrita coreográfica a se sustentar entre os polos da entrega e da recusa (dramática e corporal) ao longo do trabalho? Ficamos sem saber, talvez pela falta que nos faz uma câmera que nos capte, mais de perto, o detalhe das interpretações. E com isto, perde-se uma possível tensão entre os dois artistas em alguns momentos do duo.
Ficamos ainda em busca do que seria o caráter farsesco que se atribui ao corpo, provocação para a qual aponta o título da obra. Seria farsa, porque, em dança, teríamos um corpo que representa/ simboliza outro, fora da cena? Corpo em arte que esconde e mostra? Que mente e desmente?
Esta é uma grande discussão da dança através dos tempos, apontando-se para atuais questões de tradução (ressignificação, reconexão) mas também para uma dramaturgia multi-sígnica da qual o que dança é/pode ser laboratório.
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Esse texto faz parte da Semana de Reflexões Críticas com Cassia Navas em uma ação do 13º Encontro Internacional de Dança Contemporânea.
O Encontro é uma promoção de Diana Fontes Direção e Produção Cultural, com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
*Post patrocinado

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