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Da importância de não só fotografar, mas viver os momentos fantásticos

Domingo à noite eu fiquei pelo sofá assistindo a um filme que começou ruim, ficou bom na metade, e terminou de um jeito simples e bonito. A Vida Secreta de Walter Mytt, escrito e protagonizado por Ben Stiller, desenrola uma peregrinação do personagem em busca de uma importante fotografia, que lhe deveria ter sido entregue através do fotógrafo Sean O’Connel, mas que não constava na encomenda.

O caminho que o personagem precisa fazer deveria começar e terminar na Groenlândia. Mas as circunstâncias levam-no da Groenlândia à Islândia, e de lá ao Himalaia – onde ele vai, finalmente, conseguir encontrar o fotógrafo (Sean Penn), que está ali para tentar capturar imagens do leopardo-das-neves: um bicho raro de se ver, solitário, e que vive em lugares inóspitos.

Sobre a dificuldade de ter imagens do animal, Sean Penn declara: as coisas realmente belas não pedem para ser vistas. Quando o leopardo-das-neves aparece, seu fotógrafo faz silêncio, olha pelo visor da câmera por alguns segundos, e divide a experiência com o Walter Mytt (Stiller): pede que ele observe o bicho também. E os segundos vão passando. A gente quase grita para que eles não esqueçam da foto, e o protagonista também não se segura: “quando é que você fotografa?”.

E o personagem de Sean Penn: às vezes eu não fotografo; às vezes apenas observo, e fico assim, olhando, sem fotografar, que é para não ter a distração da câmera. Depois de alguns segundos de leopardo-das-neves, os dois descem alguns passos para jogar futebol com um grupo de três ou quatro caras (nativos) que estavam por ali – jogando bola no Himalaia. No entardecer. É uma das cenas mais bonitas e simples do filme.

E engraçado que, exatamente antes de ver o filme, eu folheei meu caderno de anotações, e li algumas da minha última viagem, falando sobre o percurso de ônibus na Suécia.
Quando estive lá, fiz um caminho de oito horas de Estolcomo para Umea, de ônibus, na ida; na volta, fizemos o mesmo trajeto, nos dando mais oito horas ininterruptas dessa viagem terrestre. E no meu caderno eu fiz algumas anotações sobre esse trecho da minha viagem (e da minha vida), as quais também resumiam o que eu havia experimentado semanas antes, na Irlanda.
Nas duas viagens dentro da Suécia, pegamos o ônibus por volta de nove, dez horas da noite, para chegar no destino final apenas no dia seguinte, nas primeiras horas da manhã. Em pleno verão sueco, essas horas de noite e madrugada se dão quase todo o tempo sob a luz do sol, e sob um ocaso que dura muito mais tempo do que estamos acostumados. Eu esbugalhava meus olhos para ver tudo aquilo: pinheiros magros e altíssimos, lagos prateados (realmente prateados), campos imensos, com muito verde, pontilhados por casas de madeira cujos detalhes eram ou vermelhos ou azuis ou amarelos – sempre essas cores. Casas que pareciam de brinquedo: alguém deve ter as colocado ali de propósito, só para compor as imagens incríveis. Incríveis e infotografáveis (!).
No meu caderno, eu pus exatamente isso: era impossível fotografar tudo aquilo. Eu nem deveria, inclusive. As fotografias que tirei, depois de muito observar pela janela do ônibus (oito horas dá para observar bastante), não capturaram exatamente o que vi; nem transmitem o que senti, olhando para aquelas paisagens. E essa é a mesma recordação que tenho viajando de ônibus entre Dublin e Wiclow: os campos imensos e verdes, a quase absoluta ausência de vida humana, o céu de um azul que pintava tudo aquilo de uma forma eterna, e impossível de ser capturada. Era difícil fotografar. Porque era difícil querer fotografar: o que significava parar de olhar em êxtase; se distrair. Foi o que senti em ambas as viagens.
Tenho poucas fotografias dessas duas viagens de ônibus. Mas consigo lembrar absolutamente tudo que vi, em detalhes, em cores, e, principalmente, em sensações. Os lugares menos habitados talvez sejam os mais belos no mundo, e os mais difíceis de descrever, e de terem fotografias suas fazendo jus. Esses lugares incríveis e pouco habitados, pouco visitados por turistas: não pedem para serem vistos, não exigem câmeras fotográficas nem textos longos. É preciso sentir a beleza que eles transmitem, absorvê-la, e nunca mais esquecê-la. Não à toa o filme inclui as paisagens da Groenlândia, Islândia, Himalaia. Eu guardo o nordeste da Suécia e trechos verdíssimos da Irlanda. É o que tenho por agora.
E o filme: vale a pena pelas imagens. E pelo que tenta dizer através delas.

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