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[CRÔNICA] A vida (não) é live

Aqui em Natal os bares reabriram. Muita gente, com e sem máscara, tem ido a bares, restaurantes. Mesmo assim, ainda persistem os vinhos virtuais, em que amigos se prostram diante de uma câmera, abrem uma bebida e jogam conversa fora. Como não estou saindo de casa por nada nesse mundo, ainda tenho frequentado o segundo tipo de cerimônia. Ajuda a matar a saudade, traz para nossa mesa amigos de outros Estados e até países distantes. Mas não é a mesma coisa…
Como se já não bastassem os e-mails, faces, instas, zapes, agora fomos apresentados às salas de meetings, zooms, streamyards… A impressão, às vezes, é a de que a vida é uma grande live, de que o real está acontecendo dentro do computador e do celular enquanto o que se passa aqui fora é que é um simulacro.
Como lives também têm sido as reuniões de trabalho, nas quais a amabilidade do encontro presencial, pelo menos na abertura dos compromissos laborais, foi substituída pelo tédio e a cara feira. As pessoas, muitas vezes, já abrem as reuniões cansadas, irritadas desde o início, não vendo a hora de acabar. Se dos tímidos o meio virtual faz um canal para uma milagrosa conversão à prolixidade, aos parlapatões, graças a Deus, tem dado lições de concisão e síntese.
Em relação às opões de entretenimento, na ânsia de querer o que está fora por estarmos presos, a poltrona da sala de espetáculos foi substituída pelo sofá, pela cadeira de escritório. É saber se você vai assistir na sala, na cozinha ou no quarto. Ir ao cinema ou ao teatro não é mais uma questão de onde ou quando, mas de quanto. No mundo virtual, uma enxurrada de programações está oferecida: de festival de cinema egípcio à dança contemporânea balinesa, de temporada de ópera a ciclo de palestras. E de graça. Eu nunca tinha visto uma quantidade tão grande de opões culturais… a nos deixar felizes, contemplados, mas, ao mesmo tempo, angustiados pela incapacidade humana de acompanhar tudo o que gostaríamos.
Tenho assistido a diferentes tipos de proposta e estou inclusive participando de uma leitura dramática virtual. Acho muito bonitas essas adaptações das formas artísticas a novos meios. Primeiro, porque é comovente ver como os artistas se reorganizam para dar conta de se manter em comunicação com o público. E, além disso, algumas dessas experiências têm definido outras possibilidades de rearticulação poética que talvez permaneçam.
Para a minha geração, pelo menos, a vida em plenitude é ao vivo. Mediada por equipamentos, fios, microfones, fones, câmeras, ela fica meia boca, meio distante, meio emparedada por algo que é real, mas impalpável. A visão por si só não me sacia, sinto falta do cheiro de gente, do tato, da energia. Sim, eu agradeço à santa tecnologia que tem nos deixado menos sozinhos e feito a vida andar, mas não vejo a hora da live voltar a ser apenas uma opção de comunicação.

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