O jornalista publicou no jornal que eu escrevia em versos. Que os versos do meu livro vinham assim e assado. Depois de outro jeito. Não sei de que release ele colou essa informação que não existe: sou ruim de verso, não poetizo, não poemizo, não versifico quase nada. É tão difícil.
Os poetas têm melhores olhos e ouvidos para os sons daquilo que a gente diz. Eles ouvem sílaba por sílaba de cada palavra. Palavra por palavra de cada frase que você diz (exatamente: cuidado). Eles vêem entrelinhas enormes nos livros – um negócio que também assusta. E quando lêem e falam de poemas: vêem linhas e versos e entrelinhas e imagens inteiras, mundos inteiros, e vidas em redor que estão todas ali: em dois ou três versos, em quatro estrofes, num arranjo desses que não sei fazer.
Pra ser poeta tem que ver e ouvir melhor o que se diz. Como quem tem um superpoder. E o prazer fica aqui: em debulhar as palavras, espaçar as sílabas, sentir um gosto bom de falar até da dor, principalmente dela. E seguir com o dia – repetindo tudo isso. Eu não sou poeta. Eu não consigo fazer esse tudo.
Além dos olhos e ouvidos, poetas têm as almas muito grandes. Porque pra ver palavra em sentido e não só sentido em palavra tem que ter mais lugar onde pôr tudo isso. Na nossa cabeça não cabe muito para fazermos esses malabares. É preciso espaço a mais dentro da gente. Poeta parece que tem espaço sobrando sempre – até no espaço do tempo, ele sobra também.
Quem não consegue ser poeta, consegue aprender com poeta a ver e a ouvir a poesia em tudo. No início é exercício. Depois é visão do mundo: que ganha mais sentidos enquanto perde aparências e rótulos; que ganha mais palavras enquanto perde significados concretos. Eu olho para os meus colegas poetas, olho para os meus colegas em Letras, e vejo também os amigos leitores: se conseguimos ser poetas ou não, agora, não faz muita diferença, contanto que os poetas existam, e nos dêem a poesia de presente. Para que a vista não canse, a alma tenha sossego, o abraço sorria, e a vida fique toda leve – mesmo que as poesias doam todas, doam muito.
Eu não sou poeta, não faço versos (vou avisar ao jornalista), não digo muito em poucas palavras – uso palavra demais pra dizer quase nada, vê-se. Mas já vejo poesia em quase tudo. Abro o livro, leio, escuto, o poeta me conta naqueles versos: e a vista não cansa, a alma sossega, os abraços sorriem, minha vida fica leve. E a culpa é só deles, que vieram me botar palavra em tudo.