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Crônica de Guardanapo

Eu preciso que você entenda que existem coisas na vida que não se consertam por inteiro jamais. Remenda, mas não volta a ser como era antes. Isso eu pude constatar lembrando daquela cicatriz gigante no seu pé esquerdo – ali em cima do 5º metatarso. O pé é o mesmo, funciona como um pé, fede como um pé, chuta como um pé… mas há nele essa marca que não sairá nem com todas as doses de Cicatricure ou camadas de Pancake do mundo. Tá?

Pra começar, limpa esse resto de rímel-mal-dormido que tá marcando seus olhos. Tá a mica, tá bizarro! E levanta do chão do banheiro devarzinho, não faça movimentos bruscos, senão você vomita caldo de peixe com cerveja na toalha de rosto do pessoal. Pelo amor de Deus, não vomita caldo de peixe com cerveja na toalha de rosto do pesso… puta merda. Vomitou. Tá parecendo a menina d’O Exorcista.

Tudo bem, mantenha a calma, reza um Pai Nosso. Não me pergunte o porquê, só reze. Aliás, reza uma Ave Maria que é mais curto e Maria é mãe de todos e vai ter pena de você e essa foi a única coisa que eu consegui pensar com esse cheiro absurdo de caldo de peixe com cerveja que tá na toalha molhada.

Reza baixo, imbecil. Quer que pensem o que de você no meio da tarde rezando um Ave Nosso no banheiro do bar? Respira, se centra, se senta. Ela é mais bonita que você sim, ela tem mais dinheiro que você sim, vem de família rica, tradicional, tem o cabelo bom, é gente boa, carreira encaminhada, deve beijar muito melhor… Mas e daí? Ela não é você, só você pode ser você, já parou pra perceber? Só você é você nesse mundo, ninguém mais. Não esquece que você sou eu. Nós estamos juntas nessa fossa! Levanta, sacode a poeira, põe a bunda pra cima!

Olha, tem um Trident mascado enrolado numa nota de 2 dentro do seu bolso direito. Abre e masca de volta, deve estar com gostinho de canela ainda. E não faz essa cara de nojinho não! Se tivesse me ouvido e levantado devagar, não estaria com esse gosto de Pirarucu bêbado na boca.

Chegou a conta. Esteja pronta e não faça essa cara de pobre não, quem mandou vir pra Pipa na alta estação? Parcela no Hiper. Que merda, hein? Parcelando cerveja no cartão? Esse teu livro tá mais flopado que o Summer Eletrohits! Vamo resolver isso quando chegar em Natal, tá? Engole o choro.

Abra a porta, sorria e ande até a mesa. Você sabe andar, você sabe que sabe andar, para com essa nóia. Direito, esquerdo, direito, esquerdo… Isso, só mais 10 metros! Vai garota, você consegue! Ih, cacete, não olha pro caixa agora, mas nosso caso tá ALI com a outra. Não olha! Não olha! Caralho… Do que adianta dizer pra não olhar, né?

Vai lá pra fora, tá tocando umas músicas ridículas de forró-superação. Isso. Direito, esquerdo, direito… “Iê iê iê infieeeeeel, eu quero ver você morar num moteeeeeel”. Isso, canta! Ai meu Deus, que gastrite desgraçada! Viu só? É só gastrite, não é amor. É só gastrite! “Estou te expulsando do meu coraçãaaaaaaaao”. Dança! Dança que tem um gato te olhando, dança! Isso, agora volta pro banheiro que tem mais uma remessa de caldo de peixe com cerveja vindo por aí, Emily Rose!

Eu sei que é uma merda, mas vai passar, tá? Tenha calma. Eu sei que não é possível ter acabado assim tão friamente tanto bem querer, e que tá batendo aquela vontade louca de mandar um emoji qualquer, curtir uma foto antiga dos dois e você não sabe como-alguém-pode-ter-tanto-orgulho-assim… Mas passa, tá? Segue em frente, tem outros troféus.

Tenta não reparar muito nos carros quando sair de casa, porque todos – indubitavelmente – todos serão da mesma cor e modelo que aquele tão conhecido por nós. Só vai ter carro vermelho em Natal! O mundo vai fazer de tudo pra que você demore a esquecer (por isso que, daqui pra frente, você tem que se apaixonar mais por quem anda de ônibus).

Tudo passa. Até uva.

Que foi, não ri mais das próprias piadas? Faz assim, lava o rosto e avisa pro moço da limpeza que a toalha tá vomitada e que você, absolutamente, não sabe quem foi, fazendo cara de indignada. Isso. Direito, esquerdo, direito, esquerdo… Caralho, isso aqui deve dar uma crônica, Alice! Com certeza dá uma crônica! Olha aí! Já mata dois cajados com uma coelhada só!

Ô Max? Max! Max! Me vê mais um caldo de peixe, uma gela, uma caneta e um maço de guardanapos aqui pra gente? Digo, pra mim! Tenho um texto pra entregar até terça de manhã…

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