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[CRÔNICA] Não querer nada é querer demais

Eu queria escrever uma crônica genial (sabe aquela crônica que você lê e presume que quem escreveu essa crônica genial foi alguém muito mais genial que consegue formular pensamentos geniais acerca de política, crise econômica e até amor? Genial!)

Eu queria que os anos fossem mais longos e os dias mais curtos, não o contrário.

Eu queria amar e ter de volta todo amor de quem eu amo.

Eu queria conseguir comer um McFlurry toda semana e não arruinar toda minha dieta logo após.

Eu queria não precisar seguir dieta.

Eu queria dedicar ao meu trabalho o máximo de tempo possível e abraçar mais meus pais e dizer mais “eu amo vocês” pros meus pais e conseguir demonstrar o quanto valorizo até uma lavagem de kimono que a minha mãe me faz.

Eu queria ter menos pais e menos filhos.

Eu queria não tratar meus trabalhos como filhos que tive com quem partiu meu coração.

Eu queria conseguir ler todos os livros do mundo, terminar meus 20 seriados pendentes, queria conseguir encontrar todo mundo que eu paquero e dar um beijo na boca, só um, sem compromisso.

Eu queria ser menos megalomaníaca.

Eu queria ver menos beleza nas pessoas tristes.

Eu queria criar uma lista de transmissão no Whatsapp com todos os meus amigos mais gentis e amados e mandar um “eu te amo” sempre que acordar pra que eles nunca se esqueçam, sendo que mandar “eu te amo” pra amigo todo dia parece um pouco sufocante e meus amigos vão terminar tomando abuso de mim e me esquecendo.

Eu queria amar menos os meus amigos e conseguir vê-los todos os dias (assim mesmo, amando menos e tendo mais.)

Eu queria que amar de menos e ter de mais me bastasse.

Eu queria conseguir reunir todos os meus irmãos num mesmo local pra tirar uma foto, mas eu acho que só vou conseguir reunir todos os meus irmãos num mesmo local se eu morrer, e eu não queria meus irmãos tirando foto no meu funeral (e eu queria todo mundo chorando no enterro tá? Chorando mesmo. Não vem com esse papo de “ah, ela não queria a gente triste…” queria sim, queria litros!)

Eu queria vender mais livros sem precisar ser uma personalidade da mídia (deve ser um inferno ser personalidade da mídia e, por exemplo, não poder se embriagar a ponto de depredar um orelhão sem ser notado).

Eu queria ter uma personalidade média (daquelas que lhe impedem de depredar orelhões).

Eu queria ser menos (mas não menos-menos, queria ser menos-menas. Sabe aquele “amiga seja menas”? Então, era esse menas que eu queria ser).

Eu queria ser mais.

Eu queria um abdômen definido mas quem se define se limita.

Eu queria ser ilimitada.

Eu queria morrer dormindo.

Eu queria olhar no fundo dos olhos do Eduardo Cunha, do Marco Feliciano e do dono-de-um-bar-onde-eu-me-apresentava-que-me-difamou-porque-eu-resisti-ao-seu-assédio e mandar todos tomarem no cu.

Eu queria tomar menos no cu.

Eu queria dormir mais, mas sempre que eu olho a lista de tudo o que eu queria, eu queria passar mais tempo acordada.

Eu queria ser mulherão forte, determinada, a mulher-sororidade, a super-mulher, a mulher maravilha… Mas também a mulher mãe de família, jantarzinho pro amorzinho, casamentinho discreto e cretino.

Eu queria ter saco pra querer esse último desejo!

Eu queria paz mundial, financiamento cultural e só ouvir Chico, Caetano, Betânia e Gal.

Eu queria ter uma fé cega, dessas de mentir jurando, mas eu só consigo acreditar no bem imaterial e na força dos bons sonhos (de olho aberto).

Eu queria não precisar sofrer o pão que Aracy da TopTherm amassou pra fazer minha arte.

Eu queria não sofrer tanto, eu queria não fazer piada com tudo.

Eu queria não adorar sofrer e fazer piada com tudo.

Tudo o que eu queria tem me movido tanto adiante que eu só queria, agora, uma melatonina que durasse outros 365 dias do ano – mas nem dormindo eu paro de querer. É o tempo todo querendo, querendo, querendo. 24 horas correndo de um lado pro outro até chegar aonde eu quero e quando eu chego lá, só quero mais. Cansa demais não se cansar nunca. Será que eu tô sendo egoísta? Será que eu tô sendo prepotente? O que será que será? Ah, eu queria me importar menos com a opinião das pessoas, essa opinião que me faz querer ser invencível e incriticável. Eu quero, cada dia mais, ser criticável e vencível!

Eu queria entender que querer tudo é querer nada e querer nada é querer demais e olha eu aqui divagando quando, meu único pedido, era uma crônica genial pra poder não divagar.

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