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4 poemas de poetas do RN que você precisa ler

Dizem que o Rio Grande do Norte é a terra onde se encontra um poeta em toda esquina.
Mesmo com pouco ou nenhum incentivo, novos talentos vão se desenvolvendo enquanto outros nomes se consagram e coletivos se formam.
Conheça poemas de poetas do RN de diferentes gerações e estilos.

1. “poço, festim, mosaico” de Marize Castro

marize
“mulheres se matam porque cansaram do cheiro do açafrão.
e vivem molhadas. medonhas. invadidas de poesia e pedra.
mulheres viram pássaros
porque do alto têm a certeza que serão salvas.
de lá, contemplam o mundo.
escrevem livros. constroem casas. parques. elipses.
pintam quadros. dão aula. vão para o palco.
dirigem carro. motocicleta.
lêem homero. dante. vieira. camões. platão. pessoa.
são crianças e desejam o inferno.
depois o céu. e novamente o inferno.
andarilhas, herdam vestígios.
e são preciosas. perfumadas.
olham dentro dos olhos dos peixes
e os retiram da água para serem seus companheiros.
planetas delicados são as mulheres.
engravidam de balões. de profundidades.
sentem cólicas. a placenta rompe. o útero se revira.
os ovários se mantêm em segredo. preenchidos.
mulheres choram nas tardes de chuva.
andam de ônibus e são olhadas.
adornam-se de arbustos.
tornam-se perigosas. camufladas.
com leite derramando da alma.
têm tetas. asas.
dívidas. agendas. mapas. bússolas. dor.
aprenderam a ouvir o canto do homem com a língua de madeira.
são antigas. milenares. pertencem a templos.
consultam oráculos. fazem preces ajoelhadas.
oram pela felicidade do mundo e têm certezas guardadas.
mulheres são alquimistas: transformam topázio em esmeralda.
esmeralda em safira. safira em rubi. rubi em ametista.
ametista em orvalho. orvalho em anêmona. anêmona em girassol.
girassol em cassidônia. cassidônia em ágata.
ágata em nave. nave em águia. águia em águia.
mulheres cortam os pulsos. abrem o gás. caem de edifícios.
sobem montanhas. andam de bicicleta. barco. avião.
sentem medo. atravessam paredes.
e se tornam metáforas. anáforas. foguetes.”

2. “Todo ato de despedir-se dói”, de Leonam Cunha

leonam-cunha-arquivo-pessoal-do-poeta

“Todo ato de despedir-se
dói.
Embora se deseje
nunca mais ver
aquele ar ali parado
aquele corpo ali parado
dói.
Despedir-se do hábito de fumar
dói.
E dói largar as roupas pelo chão
o cabelo comprido
a pele brilhante
o coração encantado
 
Despedir-se é redescobrir
possibilidades.
O mundo tem tudo: telha, praça,
parto, criança com fome, flores,
dna e veneno esperando no copo
 
O mundo tem tudo: banho de mar,
dedo no cu e gente se matando por dinheiro.
Ainda assim dizer adeus
ao pedaço de alumínio
da caixa de bombons
dói
 
Até que as aves crescem.
Notam seu poder de botar ovos,
de várias formas recheios & cores
 
…são tantos nomes
dentro de um mesmo arco
que suspende e abriga
outros nomes mais… mas
 
despedir-se dói;
porém não se despedir nunca
é estancar na Ponte de Igapó
ao meio dia.”


3. “Luiza 1924”, de Sinhá

sinha

“quando soube
que seu coração estava fraco
o meu cambaleou,
quis cair em você,
entrar
corpo adentro.
caberíamos folgados,
o seu coração e o meu,
no continente peito seu.
é que pessoa como você,
forte com a vida,
gasta mesmo o coração,
quem sabe dois dão conta,
dão, num dão?
quando soube
que faltava ar pra você,
respirei cada vez mais forte,
pra guardar o máximo de ventania
que couber em mim
e soprar em você.
quando nos encontrarmos
será como aquelas catástrofes naturais,
conheceremos a força dos ventos.
tudo preso aqui.
só posso respirar quando nos
olharmos.
minha falta de ar
é todo ar que guardo pra você.
quando soube
que tinha água no seu pulmão,
pensei,
água procura mesmo jeito,
caminho
pra desaguar no mar
e você é esse mar inteiro,
cada vez mais cheio.
denso.
calmo.
calma,
meu mar.”


4. “E no entanto é preciso viver”, de Paulo Augusto

“Caminhões continuam saindo
do Nordeste
carregando gente
como gado. E eu choro.
o homem que amo viaja
na carne brasileira,
no sangue latino
– trazendo um punhal.
Às 8 horas da noite
o continente estremece
e o povo não atina
o que fazer com os órgãos
genitais da gente.
E, no entanto, mil crianças
de todos os sexos
acabam de nascer.
Amarro minha fome de amor
fortemente
com os cordões de miséria
da minha cidade.
Boto as tropas na rua.
Temo pelo futuro. Danação.
Você que não sabe o que fazer da vida
pegue-me pela mão
e me carregue para o vazio
do que há-de-vir.
Eu também profundamente
entediado com isto tudo.
E, no entanto, é preciso viver.
As gerações futuras nada têm com isto. ”
 
 

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