No ano de 2013 o mundo pôde acompanhar as notícias do desabamento de uma fábrica têxtil em Bangladesh, que resultou na morte de 1133 pessoas. Em 2015 o diretor Andrew Morgan chocou o mundo ao escancarar no documentário The True Cost (disponível na Netflix aqui) o que está no backstage do nosso consumo, do real impacto gerado pela indústria da moda na vida das pessoas e no meio ambiente. No longa descobrimos o que está por detrás daquela inofensiva camiseta comprada a preços baixíssimos. Já no Brasil acompanhamos sucessivos escândalos de marcas e estilistas envolvidos com condições de trabalho análogas ao escravo. Diante de tais acontecimentos fica a pergunta: qual a nossa participação nisso?
Enquanto essa indústria colecionava milhões – em danos ao meio ambiente e número de pessoas envolvidos em seu trabalho – ela alcançava a margem dos 3 trilhões de dólares em 2014, ano que entrou para a história como sendo o mais lucrativo. E enquanto nós suprimos nossos desejos de consumo com roupas descartáveis e sem qualquer qualidade, milhões de pessoas morriam nas produções para suprir essas demandas. E é inegável que temos sim participação direta na morte de trabalhadores dessa indústria, a cada peça produzida a preços irrisórios que compramos engrossamos estatísticas assustadoras como a da Índia, onde um fazendeiro de algodão se suicida a cada trinta minutos.
Os argumentos para a manutenção desse sistema que subjuga a mão de obra da indústria da moda são muitos e vão desde a empregabilidade que oferece melhores condições de vida para comunidades subdesenvolvidas até os benefícios de se oferecer uma moda democrática, onde todos podem pagar. Nem para o mais ingênuo dos consumidores essa farsa se sustenta, ainda assim não sabemos como combater efetivamente essas tradições de produção perpetuadas pela moda.
Em 2016 foi lançado no Brasil o aplicativo Moda Livre – disponível para Android e IOS – que monitora não só a cadeia produtiva de grifes e varejistas como também seus impactos socioeconômicos. No aplicativo ao clicar em uma das marcas disponíveis na plataforma podemos ver informações sobre crimes cometidos, transparência das condições de seus funcionários e, inclusive, se houve flagrante de trabalho escravo dentro da empresa. Mas, há um abismo entre a informação e o que devemos fazer com ela.
Ao utilizar o aplicativo Moda Livre o primeiro pensamento que vem a cabeça é que boicotar as marcas afetando suas vendas soluciona os problemas das más condições de trabalho da indústria. E sim, de alguma forma esse já é um bom mecanismo de combate e um grande passo para um consumo mais consciente. Mas, a indústria da moda conhece as carências de nossos corações capitalistas e se vale desse conhecimento para atender toda essa demanda. Por isso que o conhecimento de quais marcas operam em escalas excessivas, minimizando gastos e aumentando lucros, – impactando diretamente em sua mão de obra – não é o suficiente.
O grande problema é que produzimos mais do que necessitamos consumir e toda essa produção gera impactos sociais como também um excedente que reflete diretamente no esgotamento de recursos naturais. Uma pesquisa realizada pelo The Changing Markets Foundation mostra que marcas como Zara e H&M compram de fornecedores que fabricam tecidos de forma não sustentável em países como a China, Índia e Indonésia, contribuindo para a poluição da água. Ou seja, somos no fim das contas os grandes responsáveis pelos modelos de produção. Ele é apenas o reflexo da nossa relação com o consumo. A solução está na informação, educação de moda e uma generosa dose de autoconhecimento.
O monitoramento das condições de trabalho das marcas, a denúncia e a propagação dessas informações só são efetivas se criarmos mecanismos pessoais para se relacionar de forma mais saudável com a moda. Uma das grandes sacadas é fazer um pequeno exercício de autoconhecimento para descobrir suas prioridades de compra. Quando sabemos claramente se o conforto é mais importante que o design, ou se o design nos parece mais importante que o preço, descobrimos o que motiva nossas compras. Nesse momento fica mais difícil pôr na sacola algo que não se tornará um resíduo sem histórico de uso.
Outro grande problema é a forma como descartamos e substituímos nossas peças. É sabido que as redes de fast-fashion não possuem compromisso com a qualidade. A intenção é clara: a não durabilidade gera novas compras para substituição de produtos. Mas, se conhecemos nosso estilo e percebemos que determinado tipo de roupa é o protagonista de nossos armários é pra ele que devemos dar mais atenção e voltar maiores investimentos. Se investimos em qualidade e durabilidade quebramos esse círculo de descarte.
Por fim temos que reavaliar nossas relações com o preço, o grande apelo da indústria para manutenção dessa cadeia de trabalho. Sabemos que quando compramos uma camiseta a R$10,00 alguém está pagando o restante do preço por ela em alguma parte do mundo. Claro que temos que avaliar o que está no entorno disso, como consumo de classe, acessibilidade monetária e em como a moda deve ser democrática, inclusive nos preços.
Mas, se há entendimento de como determinada peça foi produzida e qual caminho ele faz até chegar as lojas esse deve ser, ainda, o fator determinante de uma compra efetivada ou não. Afinal, com uma licença a Saint-Exupéry, somos eternamente responsáveis por aquilo que consumimos.
Jornalista formado pela UNP – Universidade potiguar – é assessor de imprensa corporativa da Us Comunicação e já escreveu em diversos portais sobre os mais variados assuntos. Hoje escreve sobre sua maior paixão no Apartamento 702, a sétima arte. Venera café, livros, filmes empoeirados, plot twists e hoje protagoniza um spin-off de vida fitness.